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NESTA TERRA, NESTE INSTANTE - Parte 3


E, Copacabana amanhecia quando decidi que pelo Brasil sim valia a pena!

- Não tem idéia?! Então vendeu um enorme mimeógrafo e  não tem idéia de para quem?
- Não. Como posso saber? Acha mesmo que vou me preocupar com quem compra um mimeógrafo? Só posso acreditar que é  por que necessita mais do que eu.
- Preocupar! A senhora sabe que vendeu para subversivos?
- Subversivos!?
- Sim, comunistas.
- Comunistas onde, no Brasil?
- Claro, no Brasil. A senhora não lê jornal?
- Não. Como posso ler todo o jornal com tantas coisas para  fazer.  Só tenho tempo para ler a parte cultural e econômica Bom, e como foi que este subversivo chegou até a escola? - questionei ingenuamente.
- Isso é o que  queremos saber!? 
- Não acredito. Vocês estão querendo saber como um subversivo chegou até a minha escola?
- Não. Queremos saber ....
- Ah, sim! - interpelei. Disse para três ou quatro pessoas que desejava vendê-lo porque ocupava muito espaço. Que não era tão útil como imaginava. Os mimeógrafos agora são menores e bem melhores. Sabe como são as coisas. Não tenho muito tempo. No ano passado, tive que fazer cesariana.
Sua mulher fez cesariana?  É muito incomodo. Doe e  incomoda. Fica complicado cuidar do bebê. O melhor é parto normal, mas tenho RH negativo e o bebê teve que trocar o sangue. Ficou mais de 15 dias na maternidade. Clínica São Clemente, do Dr. Cabral. Vocês conhecem o Dr. Cabral? Horrível! Bem no natal. Sorte que o médico dele é judeu. Fiquei emocionada com este médico. Ele lá, olhando ternamente para o Eduardo, quando cheguei. Difícil encontrar tanta dedicação, principalmente nos dias de hoje.
- Como era o comunista? – interpelou.
- Que comunista? Nunca vi um comunista. São diferentes? Também nunca vi um extra terrestre, dizem que tem muitos por ai.
Nervoso, o delegado perguntou irritado.
- Quero saber como era o comunista que comprou o mimeógrafo!- esbravejou.
- O senhor está muito nervoso. Assim não estou acostumada. Sou mãe de família, tenho meu trabalho, cuido dos meus filhos, do meu marido, dos meus alunos. Tenho uma vida social intensa. Todas essas coisas que tomam um tempo inestimável, e o senhor fica nervoso à  toa.
- À toa! Necessito da descrição do subversivo e rápido! -
- Subversivo ou comunista? Não conheço nenhum comunista.
- Está bem. Quero saber a cara do homem que comprou o mimeógrafo.
- A cara! Como vou saber. Não prestei atenção. Outro dia vendi um armário, desses armários horríveis duplex. Assim chamam duplex,  que estava no quarto de hóspedes. Não gostava do armário, sabe. Vendi e nem sei para quem. Não vi a cara do comprador. Aliás nem sei se ele pagou pelo armário.     
- A cara do comprador do mimeógrafo, viu? Não viu?
- Esse sim. eu vi.
- Como era? Alto, forte, louro, moreno... Nordestino?
-  Nordestino! Não!
- Alto, sim. Era alto.
- Que tamanho?
- Alto.
- Que tamanho? Um metro e oitenta... Um metro e setenta...
- Alto. Maior que eu.
- Qual é a sua altura?
- Acho que um metro e cinquenta  cinco. Ele deve ter mais ou menos um metro e sessenta e cinco.
- Isto é alto? Berrou.
- Para mim é. Alto, olhos azuis, como aquele moço. - apontei para o Major Matt.
-  Nome! Nome, por favor. Nome.- sorria orgulhoso da confissão.
- Espera... Não sei. Vocês querem saber muita coisa ao mesmo tempo. Nome, tamanho, cor de olhos. Vim aqui ajudar a policia para dizer que vendi o mimeógrafo, que tenho recibo.
- Ajudar? Até o momento não disse nada útil!
- Como nada? Faz mais de uma hora que estou falando sem parar e diz que não falei nada!?
- E o Liszt?  A senhora conhece, não é?
- Claro.
- Ótimo! Ótimo! Chame rápido o coronel, ela conhece o Listz.

O mal humor presente na sala, deu lugar a uma eufórica alegria. O corre-corre se estabeleceu num entra e sai de caras curiosas.
Por fim, a informação tanto almejada, Listz - o pivô de toda a história. Listz, o fim da linha de raciocínio. Listz, fim do mistério. Desmoronamento de um intrincado cartel de informações.

Sorridentes, amáveis, trocando sorrisos, que ultrapassava mais de cinco meses.
-                          Cansada? Também estamos bastante cansados. Estes subversivos têm nos dado muito trabalho. Então, a senhora conhece o Listz?
- Claro. Gosto muito dele. Há muitos anos. Nunca fomos amigos, isso não. Mas, conheci sua irmã, no colégio de freiras onde estudava. Uma velha, lúcida, inteligente, perspicaz.
- Onde ele está?
- Não tenho a mínima idéia.
-  Não tem a mínima idéia? Mas,  a senhora não disse que o conhece?
- Sim. O senhor não o conhece? Impossível não conhecê-lo.
- Como impossível?
- Realmente, não estou entendendo. Não conhecer o Listz! Enfim...
- Cale essa boca!!! Onde mora o Listz? - gritou nervoso.    
-  Onde mora? Insisto que não sei. Nunca perguntei isso a sua irmã.
- Caralho! Onde está o Listz?
-                          Não adianta gritar, pois não sei. Não sei onde ele está  enterrado. Não sei!
-                           Enterrado? - berrou histérico. Desde quando?
- Há uns setenta anos, mais ou menos.
- Levem essa mulher daqui. Agora! Estou ordenando!
- Calma, coronel. Quem sabe ela reconhece alguém pelas fotos.
Ali, diante dos meus olhos, Pedros, Manueis, Joaquins e Moacyr!  Que horror, Moacyr todo ferido! Que dor! Meu querido companheiro! Quantas vezes, encontrei-o  sentado na varanda, madrugada adentro, cansado, pensativo. E no dia em que morreu o Che? Como sofremos naquela tarde!
Moacyr, diante dos meus olhos, morto! De que mais seriam capazes? Até onde o ódio pela vida iria levar esses homens? Não teriam eles filhos, mãe, amigos?!
Meu coração se desfez em lágrimas, e deu lugar à força maior: o exemplo. Moacyr morreu lutando pela nossa liberdade. Pelo pão, pelas escolas, pelos hospitais, pela dignidade, pela paz. Se preciso, eu morreria também.
- Não conheço ninguém, infelizmente. - sussurrei.
- Leve-a! - bradou o delegado - Levem-na para o forte. Quem sabe, lá, ela reconhece alguém?
- Ela é muito astuta... estúpida, não sei.- murmurou  indignado, o coronel.
- Vamos rápido! -  quase aos berros, ordenou o militar.
            - Para onde? Por quê? Vim até aqui pra ajudá-los e vocês me tratam dessa forma? Que culpa tenho de que o coronel não conheça o Listz? Ele não é nenhum desconhecido. - continuava insistindo.
- Cale essa boca! Basta de Listz, entendeu?
Queria sair correndo dali, voltar para casa, ver um tímido pôr de sol. Quiçá uma estrela. Tocar a mão de um amigo, caminhar pelo Largo do Machado. Ah! comer um mil-folhas na Confeitaria Francesa, com coca- cola. Coca-cola só é suportável com mil-folhas. Que fome! Quantas horas passaram desde que cheguei aqui? O aterro do Flamengo ficou lindo. Que feliz idéia de Burle Marx projetando este enorme jardim. Quero meu pai! Quero ver a carinha do Marcello. Ouvir a vozinha do Eduardo chamando - ah! Pommmbo, a única palavra que ele sabe  falar.
Que vontade de pôr o ouvido no chão para sentir a proximidade de um carro.
- Vamos meninas, escutar de novo!
- Parece que agora é um caminhão...
-                          Pegue aquela folha outra vez. Aquela que advinha os sentimentos! 
Se a folha ficar preta, o Walter gosta de você; se não, ele fica pra mim...
Quem sabe, sabe, conhece bem, como é gostoso gostar de alguém....
- Caminhando... caminhando... Vamos logo. Não tenho tempo para perder. - dizia o militar – Vamos entrando  no jipe. Depressa, anda!
Tanto tempo passou, está escuro! A estrada é sinuosa, íngreme. Somente o barulho do mar quebrava o terror da metralhadora apontada para minha cabeça.
- Não dá para virar para o outro lado? Tenho horror a armas de fogo. Aliás, tenho horror a armas. Faça a gentileza de virar para lá, pedi.
- Está bem. Vire a arma sargento.
- Aonde vamos? Tenho que voltar para casa.
Estacionamos no pátio mal iluminado. Descemos.
- Vamos passar por uma sala onde estão algumas pessoas. Olhe, para ver se identifica o cara que comprou o mimeógrafo, está bem assim? - ordenou
Como sair dessa, agora? Tenho que ter uma resposta mais que inteligente. Não posso comprometer ninguém. Ninguém mesmo. Você não sabe quem é quem. Uma falha, e um inocente será torturado. Calma. Calma, por favor.

- Vamos entra. Temos pressa, ordenou.

 Oito homens sentados no refeitório, de olhares assustados, invadiram meu pâncreas, pisaram meu fígado, correram  pelas minhas artérias, chegaram juntos ao meu coração.  
Entrei ávida de justiça. Olhei bem no fundo de seus olhos e quase aos gritos respondi.
-  NÃO FOI NENHUM DESSES AÍ. 
 Um forte empurrão nas costas me fez tropeçar nos degraus.
- Não era para dizer nada! - esbravejou o delegado - Senta aí, anda.
A figura de Moacyr passeava pela minha memória.

- Você chegou tão tarde, Fausto.
-Algum problema?
- Um companheiro faltou ao ponto. Estou preocupado.
- Vou até o aparelho onde está o Moacyr.
- O Eduardo está com dor de ouvido. Temos que levá-lo  ao médico.
Uma voz irada tirou-me das lembranças que passeavam trôpegas pelo inconsciente.
- Nada feito! - gritava pelo telefone. - Nada feito. Não acredito nesta mulher! Pode ser... - completava a conversação - Ok!... Ok! Entendido.
Na penumbra silenciosa da sala ouvi o mar. Que lugar era aquele, onde tudo o que se ouvia era o mar? Esse mesmo mar que amo desde a infância, única testemunha do meu ódio. Só o ruído do mar, o mesmo que compartiu estórias contadas nos últimos anos, que lágrimas de amor levou nas suas ondas, e frases de amor carregou para paragens distantes e segredos envolveu na sua espuma. Podia vislumbrá-lo azul, furioso tomando o invadido. Era nítida sua fúria contra as pedras.
Que lugar era este, onde o mar lutava para recuperar sua liberdade?  Duas forças gigantes lutando contra a invasão - a rocha e o mar. Era noite, podia tão somente sentí-los.
O tempo não existe; o pensamento faz o tempo. Meu pensamento não sabia do tempo, sabia do mar, da pedra, dos olhares assustados dos homens sentados no refeitório. Sabia do Listz, do Juarez, dos meninos, dos sonhos, do assassinato do Moacyr, das tímidas  alegrias, da presente tristeza.
- Vamos andando. Vamos, vamos! - vociferou o delegado. Não quero sair tão tarde do Forte.
Ah! Niterói.. Descobri onde estou. Forte de Santa Cruz.  É em cima da rocha... Sim é o Forte.  
Sem titubear, entrei no jipe para um largo caminho de volta.

Na barca Rio - Niterói senti o cheiro da madrugada. Dois ou três passageiros compartilhavam da minha liberdade. O Rio de Janeiro se acercava sonolento, lindo no seu vestido de estrelas. Poderia abrir os braços, que alcançaria enlaçá-lo e me perder numa longa declaração de amor. O cheiro de peixe, o vaivém dos pescadores, dos amantes de um Cherne fresquinho, comprado bem ali, na Praça Quinze.

Veloz, entrei num táxi rumo a Copa.
Na Barata Ribeiro, esquina com Santa Clara,  desci. No Mercadinho Azul, tomei um cafezinho. Caminhei em direção à praia, retornei do meio da quadra. Peguei o táxi da madrugada, com direção à praça José de Alencar.

De pé, olhando a igreja metodista, ali plantada há tantos anos estava, Juarez. Abraçou-me silenciosamente, forte.
No bar Lamas, decidimos que regressaríamos a casa. Supostamente, o pesadelo havia passado. Primeiro, buscar as crianças, depois retomar o trabalho, o contato com os velhos amigos, aquela peça que ficara para a semana seguinte, um cineminha no Paissandu, e por que não pegar uma praia, já que as chuvas de março haviam dado uma trégua ao sol?
Sucesso total, festejava Fausto. Você botou a Fernanda Montenegro no chinelo. 
- Vamos a casa da sua irmã, primeiro. - falei. Não estou convencida de que eles acreditaram naquela história.
-  Claro que acreditaram. É preciso que tenham acreditado. - sorriu Juarez.
            - Não sei. Melhor verificar. Não vou passar por esse susto de novo. Não vou, não!
- Tá bem. - concordou Fausto.
- Vamos até lá,  pela manhã.
-Tá certo. Testamos hoje. Amanhã retornamos a nossa casa e você volta ao trabalho.
Imagina o  quanto o Ministro Jarbas Passarinho deve estar sentido sua falta.
-Nem quero pensar...

Cruzamos o hall do 136, da rua das Laranjeiras, sem pressa. O elevador parou tranqüilamente no 8º andar.
Abri a porta. Inesperadamente, um som gutural invadiu meus sentidos.
- Abra essa porta. Viemos aqui para prendê-los.
- Prender quem? - balbuciou Darcy.
- Não se faça de tola. O vendedor do mimeográfo foi depor hoje pela manhã e a reconheceu.
- Eles não estão aqui. Faz dias que não os vejo.
- Não me faça usar a força. Deixe-nos passar, determinou. 
Já fora do elevador podia vê-los de costas. Darcy, atônita, olhava desesperada.
- A senhora não tem nada a temer. Temos ordem  para prendê-los.
- Sim senhor... sim senhor. Entre. Pelo vão da porta entreaberta, seus olhos pediam suplicantes: - Suma, por favor! Suma!!
Até hoje bendigo o engenheiro que projetou a escada exatamente em frente à porta do elevador. Uma trampa saudável do destino.
Fausto ficara no elevador.
Lentamente, comecei a descer cada degrau. Minhas pernas necessitavam de comando para executar sua tarefa, de caminhar, de sustentar toda a massa muscular, órgãos, artérias, tecidos. Urgia uma saída.
Abri a bolsa. Retirei um lenço de cor laranja. Cobri os cabelos. Um óculos escuros completou o personagem. Discreta como havia entrado, atravessei a portaria, nesse  momento ocupada por disfarçados moradores.

Durante anos, vivi cada personagem do edifício. Se não os conhecia na intimidade, para muitos deles criei uma história. O General do terceiro andar, solitário, vivia sozinho com sua empregada. Era adorador incondicional  d’ “A Redentora”, defendia veementemente as mudanças e arbitrariedades da ditadura. Sempre me chamava ao telefone, toda vez que um desinformado namorado tentava me localizar. Tentava esquivar-me de  seus papos, mas era inevitável que ele me pegasse para uma conversa. Sequer podia imaginar que eu era radicalmente contra sua posição política.
E, D. Renée “a velha dama indigna”, que nos acompanhava há tantos e divertidos bailes participando de nossos amores... - Quantos beijos roubados hoje? – indagava, entrada a madrugada. Todas nós mortas de sono. Ela  superdispostaa continuar noite a dentro. Linda, ternamente linda, D. Renée, separada do marido diplomata, vivia com a filha e mimava a única neta, uma linda adolescente, sósia da Sofia Loren. Tantos outros personagens que transitavam no hall e na minha imaginação, nenhum deles ali presente.
Reconheci em cada face um algoz, em cada olhar uma busca. Sufocando as batidas aceleradas do meu forte coração, fui cruzando  o hall de entrada imenso, interminável, frio, desconhecido. Fausto havia evaporado.
Alcancei a portaria onde o Seu Adiel vivia parte de seus dias, sempre sorridente. Agora pálido e assustado.

O velho porteiro Adiel, conhecedor dos primeiros amores, das fugas para o beijo escondido, da mentira piedosa para o namorado machista, que ficaria para sempre perdido na história. Do primeiro porre, do socorro às vítimas dos primeiros desmoronamentos das chuvas de 66.
Outros desmoronamentos, como o do edifício da rua General Glicério, que fora construído com areia, segundo  constataram os engenheiros, viriam e os responsáveis ficariam sempre impunes, como mais tarde, os do edifício Palace II.

Nosso antigo porteiro, discreto espectador dos primeiros discursos sobre a liberdade. Dos caminhões de lixo, colocados estrategicamente na Rua das Laranjeiras, como divisor de águas: de um lado os de direita, liderados pelo falso profeta Carlos Lacerda, vestido de jaqueta de couro e jeans, amado e idolatrado pelas famosas mal amadas. De outro lado, os ávidos de justiça e liberdade: os defensores do Governo de João Goulart. Da triste passagem dos tanques de 1964 em direção ao Palácio Guanabara, esmagando nossas ilusões. Das lágrimas com sabor de perda irreparável, ao saber da saída de Jango. 

Seu Adiel, testemunha silenciosa da morte do menino eletrocutado no pequeno lago que servia de adorno à entrada do prédio, crime de um síndico ensandecido, ceifador das travessuras infantis. Conhecedor da presença furtiva de rapazes saídos sabe-se lá de onde na calada da noite. Seu Adiel balançou a cabeça num não patético, impotente, generoso, como relembrando tantas histórias ao me ver passar e me perder na rua.
            - Táxi! Táxi!
            - Rua do Catete, por favor balbuciei sufocada. - Para onde ir? Que direção tomar!?
-Para onde vamos, senhora?
-Como?
-Para onde? - insistiu o motorista.
-Rua da Glória.
O que iria eu fazer na Rua na Glória? Sei lá. Saiu sem querer. Tinha que manter a calma. Respirar fundo. Pensar. Pensar em quê?  Precisava de tempo para refletir.
Sentei no meio do assento traseiro. Pelo retrovisor vigiava a rua para certificar-me de que eles não me haviam  seguido.
A Rua do Catete estava lenta. Era hora da saída da faculdade. Estudantes de Direito da velha e famosa escola saíam às ruas. Transeuntes secularmente despreocupados, insistem em cruzar diante do carro, impedindo a passagem. Eu tinha pressa. Muita pressa. Pressa do nada. De chegar a lugar nenhum.
O Palácio do Catete, transformado em museu, palco de tantas decisões, de histórias de  ódio,  de traição, de amor, de frustrações  e de morte, passava majestoso. Ultrapassamos o Império e constituímos uma República sem cidadania.  Getúlío Vargas fora uma fugaz esperança, estabelecendo leis que beneficiariam o operariado.  Juscelino levou a capital para Brasília, no afã de modernizar o país. Vestiu a corrupção, a miséria, a fome e a impunidade numa moderníssima obra  arquitetônica.
Que fazer da minha crença de liberdade, de um mundo mais justo, sem analfabetos, apinhados de gente feliz e saudável? Aonde jogar tantos sonhos?!
O colégio Santo Antonio Maria Zacarias continua igual. Tantas lições de análise para alunos ávidos de universidade.  O relógio da Glória, o Monumento aos Pracinhas lá longe. A praia do Russel.
Pelo retrovisor pude vê-lo se aproximando, cortando o táxi, estacionando no meio fio. Lá está ele no fusca cor de caramelo: Carlos.  Incrível acreditar, a primeira de tantas aparições no momento exato em que tudo parecia perdido.
- Encoste aqui, por favor. Obrigado.
Desci apressadamente calma. Caminhei em direção ao carro estacionado, entrei explodindo em lágrimas e abracei aquele mineiro. Uai!
Assim ficamos. Não sei por quanto tempo. O suficiente para saber que chegara a hora de entrar na luta definitivamente.

De novo Copacabana  presenciou silenciosa as horas que se seguiram, de definição. Planejar um destino. Juarez era o mediador perfeito, equilibrado, humano, solidário, irrepreensivelmente íntegro; foi pausadamente analisando todas as etapas: da nossa saída de casa, ao dia atual.
Naquela noite ficou decidido, que  não tínhamos outra  saída que não a clandestinidade.
Na escuridão da noite, nas águas de março, deixei mergulhar minha falsa liberdade.
Incerteza, medo, fuga diária, espanto, amizade, solidariedade, comprometimento, certezas, todas atropeladas na consciência.
Estava preparada. Um novo destino, pensei.
Copacabana amanhecia. cont..

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