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QUE VAS HACER ESTA NOCHE?




Havana se você bobear dorme todos os dias na madrugada, acorda
cedo, trabalha todo o dia, vai a universidade fazer o mestrado, lê de
pé nas guagas, chega. Num piscar de olhos encontra a agenda.
Caramba, reunião na casa do Conselheiro Comercial da Embaixada do
México compartir uma noite sui generis. Curtir as fotos e slides da
antártica. Descanso merecido e original.
De relance senti um olhar insistente. Outro e mais outro. Ciceroneava
Roberto recém na ilha desde Paris. Um passeio, àquele jantar, idas à
praia um namoro de férias julina, tudo por uma crise amorosa com o
trovador. Será?
- Preste atenção na tela. Roberto inquieto virava de posição inquieto.
Conhece o rapaz à sua esquerda?
- Nunca vi.
- Deselegante. Não tira os olhos daqui.
- Estará interessado na beleza, na aparência. Com toda está
elegância que lhe é peculiar chama atenção. Quem sabe?
- Aucune arnaque.
-Je ne suis pas
De regresso, um carro emparelhava, arriscando trocar palavras em
pleno trânsito
- Telefone - um gesto mundialmente conhecido, implorava.
- Ignorava.
No sinal fechado, quase aos gritos, pediu meu número.
- Disfarçava. Vontade louca de cair na gargalhada, diante da
insistência.
- Quem será este tipo?
- Ignoro. Enigma ?
- Estranho. Era convidado.

- Jamais o vi.
Passava da uma, fiquei em Miramar, Roberto foi ao seu apê em
Vedado.
- Campainha? Voltou Roberto?
- Como? Como chegou? Quem é você?
- Calma. Não sou ladrão, nem tarado, ou coisa parecida. Sou
Wladimir Padilla, filho do seu amigo Oscar Padilla, Ministro do
Trabalho. Posso entrar.
- Não. E?
- Simples. Segui o carro. Vi o endereço. A luz que acendeu. Arrisquei.
- Está louco?
- Tampouco. É que nunca vi uma garota tão linda.
- Inacreditável. Suma por favor.
- Tudo bem. Dá-me seu telefone. Prometo não molestar.
- Dou, você vai?
- Vou.
Passei o número, prometendo, garantindo, em toda a minha vida
jamais atendê-lo.
Na hora do café, antes da saída para o trabalho, tocando à porta:
Wladimir.
Inimaginável!
- Achou mesmo que ia telefonar? Deixo você no hospital. Pelo
caminho, nos conhecendo.
Oscar, um grande amigo. Frequentava a casa com outros amigos
Ministros e diplomatas. Agressiva, sem sentido.
- Que vai fazer esta noite? Santa Maria, uma praia cerca do centro,
tem um barzinho gostoso? Que tal um Campari?
O mexicano lindo de morrer caiu no esquecimento. Preferia a alegria,
os papos políticos, as chamadas na madrugada, as aparições

inesperadas, as caminhadas no Malecón. Amor pacato com direito a
saudade e separação com lágrimas sem cogitação. O Brasil – única
meta. Tudo mais, pequenos fragmentos de felicidade. Vivíamos na
ponta da faca. A cada perda, noticias de tortura, mortes nos porões
da ditadura, desaparecidos quantos. Futuro? Cada minuto vivido.
Wladimir entendia bem. O pai lutou contra Fulgêncio Batista,
guerreou na Serra Maestra.Com o Che entrou em Santa Clara.
Cuidava como joia rara a Revolução.
Trabalhando em Moscou optou pelas férias no verão. Chegou Julho, o
verão escaldante, a viagem a Santiago para conhecer seus pequenos segredos.

Na deslumbrada madrugada santiagueira, Martí em versos se
entrepunha as taças de Campari brincavam o suave encontro. Nas
ladeiras, estive com intimidade no Pelourinho. No Museu de General
Antônio Maceo, prócer da independência de Cuba, junto a Máximo
Gómez e José Martí, contra o colonialismo espanhol numa guerra,
que durou mais de dez anos.
O cafezinho na casa da Maria, filha mais novo de Antônio Maceo grata
surpresas, passagem dos barbudos da Serra Maestra, Raul Castro
nascido em Birán como seu irmão Fidel, estudou, liderou lutas
estudantis, participou do Assalto ao Quartel Moncada, exilou-se no
México, desembarcou no Granma. Comandou o “Segundo Frente” na
Serra Maestra.
Dizem que é duro e rigoroso. De perto, simplicidade, contador da
história, divino ouvi-lo falando do Che, firme. È Chefe das Forças
Armadas Revolucionárias desde 1959 com 28 anos de idade. Wilma
Espín, companheira de vida e trajetória, guerrilheira, fundadora e
Presidente da Federação das Mulheres Cubanas.
“Aqui nadie se rinde” sentenció Almeida o guerrilheiro, poeta,
escritor, compositor em Alegria de Pio ao serem emboscados pelo
fogo inimigo
Juan Almeida Bosque, nascido de família humilde na cidade de
Habana, com um tremendo coração santiagueiro é um desses seres
excepcionais. Participou das guerras revolucionárias, organizou,
dirigiu um dos pontos mais estratégicos da resistência: o “Terceiro
Frente Oriental Mario Muñoz Monroy. Simples, terno, valente, tenaz,
fantasticamente humano. Muitas tardes, em Miramar comparti do
convívio deste companheiro entranhável.
Frank País, líder do Movimento 26 de Julho, é assassinado aos 23
anos, em uma emboscada. Santiago chora de luto chora a perda de

seu líder. Cuba reage. As forças militares de Batista retrocedem ante
a ira popular. Greve geral de trabalhadores
“... en los primeros momentos la gente quería llegar hasta el cadáver
y hubo forcejeo con los guardias. Es que la reacción popular fue
espontánea, muy poderosa y desde ese momento se paralizó la
ciudad, la gente se dedicó a ir a donde estaba Frank”... declarou
Wilma Espin.
Da Serra Maestra Fidel escreve a Célia Sanchez “Todos los esbirros,
todos los miserables que sirven a este régimen de un modo o de otro,
todos los politiqueros juntos, no valen la vida de Frank País”. Maria
trazia nos olhos marejados de lágrimas o orgulho meninos da Serra.
A revolução cubana tem em seus quadros homens de indescritível
compromisso com a vida, com seu povo, com a soberania de sua
pátria. Comove vê-los, conversar com eles, saciar de sua fortaleza,
nobreza de sentimentos e valentia.
Frank País me levou as tardes, e noites no Novo Vedado.
- “Nós éramos a retaguarda dos meninos da Sierra Maestra. Frank,
franzino, professor, cheio de ilusões e vontade férrea liderava o
Movimento no Oriente. Amado, respeitado por companheiros, vivia, e
respirava revolução. Vira e mexe entrava casa adentro sempre
sorridente buscando um biscoitinho para comer.
- O estomago reclama nervoso, tia. Precisa ouvir sua inquietude. Não
tenho tempo para grandes manjares. Qualquer coisa para enganar a
fome. Ia engolindo enquanto nos punha a par das últimas novidades.
Da cidade e do campo.
Por vezes um banho ligeiro no calor sufocante do verão caribenho,
trocava de roupa e saia às pressas para cumprir alguma tarefa. Era
um dos meus maiores orgulho junto com Raul. Meus dois meninos.
Quantas vezes tive por força das circunstancias viajar ao exterior
trazendo armas embaixo das rodadas saias junto com minha filha
maior. Frank ria como criança das peripécias nas furtivas viagens,
enquanto embrulhávamos o material para fazer chegar a montanha.
Nos parcos momentos de lazer fazíamos planos para o dia da Vitória.
De como o povo receberia Fidel nos braços. De como seria nossa ilha
livre com a queda de Batista.
Como se fosse agora, 30 de julho de 1957, como em vezes
anteriores, banhou-se as pressas trocou-se deixando sobre a cama
uma linda goiabeira toda suada, saiu para um encontro que lhe
custou a vida. Difícil foi aceitar sua morte. Difícil foram os dias que se
seguiriam sem Frank.
Lágrimas nos olhos, voz embargada ia descrevendo as ruas de
Santiago na morte do seu menino. Habana e Santiago presentes na
sala de Maria, e da adorável “tia” lembranças de um tempo em que
entregar –se em prol da liberdade era questão de honra. Nós também
não passávamos de simples meninos tentando um Brasil melhor.
Trêmula, segurando o choro a goiabeira de Frank País a tia me
regalou. Abraçados faltavam palavras.
Portas destrancadas, velho hábito de Santiago de Cuba, saímos da
cidade em direção à Capital renovados, atados pelo nó invisível da
paixão revolucionária.
Nós também não passávamos de simples meninos tentando um Brasil
melhor. Santiago se definia plena na canção de Augusto Blanca:
Santiago tus callejones paso a paso te recuerdan
Nómbrame alguno que nunca escribiera su historia,
nómbrame alguno donde no se hallan escuchado
alguna vez aquel petardo de las nueve,
nómbrame alguno que nunca sintonizaraaquel programa en la
habitación del fondo:
“…Aquí radio Rebelde
desde la Sierra Maestra…”
Amávamos tantas coisas em comum que extrapolamos o desejo para
nos tornarmos companheiros eternos.
Sagitariano, seguramente filho de Ogum, pregava peças a torto e a
direito.
- Hoje, vamos a uma paisagem sem precedentes.
Subimos a rua que contorna o “Morro” para ver o Malecón desde o
alto do túnel que corta a baía sob o mar.
- Vê. Existe coisa mais linda no planeta?

A mureta que separa o mar da avenida, emoldurada pelos prédios
centenários, faz do Malecón um dos mais belos cartões postais.
- Linda. Preciosa.
- Bom. Desculpa Copacabana é mais bonita. O mar beija em largas
ondas a areia. Nas grandes ressacas, atravessa a Avenida Atlântica.
A calçada que circunda a orla é de pedras portuguesas em formato de
ondas. Uma maravilha! Pode crer.
Abraçou - me suave, beijou meus cabelos e num riso maroto ..
- Perfeito. Nós é que preferimos fazer a revolução primeiro, e a
calçada deixamos para depois.
Incrível resposta.
Rio e Havana desfilavam pelo nosso imaginário. Estado da
Guanabara, assim denominado depois da transferência da capital
para Brasília, e o Estado do Rio de Janeiro se fundiram em um único,
cuja capital seria a cidade do Rio de Janeiro. Uma rápida e simples
cerimônia, ignorando os problemas sociais do outro lado da baía e o
papel que esta cidade desempenha no coração e na alma dos
brasileiros. Preocupados com os decretos que legalizavam a fusão dos
estados, esqueceram que o Rio de Janeiro viria a enfrentar todos
problemas inerentes a uma capital de um Estado carcomido pela
fome, pela miséria, pela falta de saneamento básico, pela imigração
desenfreada.
Nas prisões, milhares de companheiros continuam sendo torturados e
mortos largo do país.
O mundo explode, com imensa emoção, pela vitória dos vietnamitas
sobre o gigante das infames guerras. Americanos se retiram
humilhados, sob os olhares atentos do mundo. Membros da OEA
estudam o fim do bloqueio à Cuba, que já passa dos onze anos. Sem
sucesso. Apesar da vergonhosa derrota, os Estados Unidos não
cedem o fim do bloqueio.
A Ilha festeja a sua escolha para ser a sede do XI Festival Mundial da
Juventude e dos Estudantes, no verão de 1978. Na capital, começava
XII Encontro de Diretores de Centro de Escritores Socialistas. Fidel
recebe o anteprojeto da nova Constituição do País.
Maio, tiempo lluvias por caer – como diz o poeta. Celebra-se o
Primeiro de Maio na Praça da Revolução, José Martí. No teatro Lázaro
Peña, o XXX aniversário da queda do fascismo é celebrado com

tristes recordações do holocausto e a decisão férrea de impedir um
segundo capítulo deste na história da humanidade.
Os dias engolem as noites e os pores-do-sol empurram os luares para
a madrugada. Sinal de que o verão chegou e com ele os dias de viver
na praia, de brincadeiras, de teatro infantil, de idas ao cinecito, de
cuidar dos gerânios e das borboletas, de correr pelos pinheiros, de
pegar polvos com Luly, Ayu, Mary, de sair com os meninos . Da Ana
Glória e a delicada Ivetica. Dias de viver vinte e quatro horas de
alegria com Cell e Edu. Férias, tempo de pôr em dia os mistérios da
ilha.
A modernidade sem pressa se aproximava da ilha. Chamada a
Moscou via satélite. Conversar com Wladimir deixou de ser um
suplício. Dias de espera. Uma bela hora a telefonista anunciava; vou
completar a ligação.
- Que ai fazer esta noite?
- Em Havana?
- Porque não. Vamos tomar um Campari?
 

Wladimir Padilla, teimoso, atraente, carinhoso, brincalhão, é um
típico revolucionário cubano. Se me apaixonei por ele? Infinito
enquanto durou – seguindo a risca Vinicius de Moraes.

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