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AMORES IMPERECIVÉIS

 

SAUDADE

NÃO TEM TRADUÇÃO MESMO

 

Atirava -me de supetão, aconchegava   entre seus braços disputando com a irmã mais  nova  todos  os carinhos. Caia aos prantos, quando o via engravatado de saída para o trabalho. Pegava qualquer coisa a minha pela frente, corria  das mãos  na  tentativa de contar com o  tempo conivente dos meus anseios ,permitisse descobrir o misterioso escritório. Não sabia onde, nem como. Somente, que a noite muitas vezes batia à porta, antes que seus passos fossem ouvidos cruzando o corredor.

Não raro um chiado tomava conta do meu peito perdendo horas e dias de diversão. Se não eram de chuva ou nublados, as compressas quentes eram substituídas por brincadeiras como aquelas cócegas de matar qualquer um de tantos risos. Eram os instantes em que o mundo borrifava ternura caminhando de mãos dadas com a felicidade.  Eu era feliz.  Erámos felizes.  

Velozes como raios as estações dançavam em redor do sol derramando um colorido de miosótis, gerânios, flamboyants nas ruas, praças, nas águas do rio que corria em direção ao mar. Certo que a sequencia entre elas me era desconhecido.  Em algumas, desnudavam as árvores, sapatinhos de lã, casacos nos finais das tardes obrigatórios, por vezes o pomar apinhava-se de mangas, jambos, carambolas, pinhas, tímidas e pequenas uvas.  

Alegria mesmo quando o sol reinava absoluto adentrando por todas as janelas, dominando por todos os lado Por estes dias aprendi amar os Por de sol, esperar a noite chegando tardia salpicada de estrelas, bem antes que elas iluminassem o céu num colorido de  amarelos em pinceladas num vermelho sangue, nos confundíamos entre  afagos, pique - esconde, historietas.

Nestes dias, metíamos no carro rumo à casa da vovó, paraíso perdido nas montanhas das Gerais, rodeado de pés de cana, arrozais, um pasto a perder de vista aguardando nossa vinda. Duas alegrias vitais, a vó amada e Biano, negro reluzente, lindo, querido como ninguém, confiado de brincar em travessuras no pomar ,na fascinante horta verdinha adornadas de saborosos e vermelhinhos tomates.

As esquivadas à igreja hábito que Dona Lídia não abria mão, era intolerável, fazia parte para ser feliz.  Felicidade tem preço. Alto por vezes.

Se natal todos os sapatinhos da janela, despertavam abarrotados de presentes. Ano novo dormíamos no horário estabelecido, mas o cheiro de comida impregnava tudo. O medo da folia de Reis, alarmante, corria assustada. Passada as festas, todos voltavam, ficava a criançada para curtir o frescor da liberdade. Diga- se de passagem nunca entendi o escritório precisasse tanto dele. Reuniões, altas horas. Almoços na casa da cidade para os políticos do Partido. Tomava horas de seus dias.

- Meu filho lamentava dona Lídia. Logo o Eduardo Gomes, da UDN ( União Democrática Nacional.  Bom mesmo é o Getúlio Vargas criou a justiça do trabalho em 1339, implantou vários direitos trabalhistas, salário mínimo, consolidou as leis do trabalho, semana de trabalho de 48 horas, carteira profissional e férias remuneradas. Não entendo este oposto. Dona Lídia ... quem disse que os filhos sempre seguem os pais? Política a parte, o que batia feio era a saudade.

Aquele ano, soou feio. Dentre a escola, deveres e saberes a asma alargou- se mais que anos anteriores. Esta a ausência sem maiores explicações, apenas o nervosismo pairando no ar.

Chovia muito, os flamboyants não floresceram tanto, o céu escondeu punhados de estrelas, vovó não fez os doces costumeiros, Biano resmungava pelos cantos.  Novembro, longe do natal infinidade de semanas.

Um novo bebe chegaria antes ou depois depende da lua ouvia a miúde quando ele levou-me para a casa de Angustura, onde a alegria pousara para descansar de sua larga viagem. Na cadeira de balanço, quentinha embaixo do cobertor amarelo pediu-me com a doçura que lhe era peculiar. Seja obediente, estudiosa, respeite as pessoas sempre, trate o Biano com muito carinho. Eu amo você. Beijou-me na testa enquanto ajeitava a coberta. Esta crise vai passar. Eu volto antes das festas. 

Aquele brinco de bolinha preta, na orelha da minha tia devia ter um significado. O sepulcral silêncio na enorme casa da Vila com janelas abrindo frente a igreja,outro mistério. Tudo mudou naquele dez de dezembro. Vovó chorava desesperadamente. Nem uma palavra, só o abraço forte molhando meus cabelos. Dias sombrios. Sem bolo na hora do café, sem risos com Biano. Sem idas á igreja, sem ruídos. Toda a Vila entrava e saía depois de uma estendida visita.

Em Minas, tudo é permitido menos o escândalo. Crianças são excluídas das falas, das novidades, das angústias. Passaram dias, para saber a noticia que mudaria minha vida para sempre. Papai havia falecido. Havia recebido alta. Titia saia para buscar o carro, a enfermeira decidiu aplicar o remédio que deveria tomar por alguns meses. Um shock anafilático, arrebatou-lhe a vida. Não existem adjetivos que descreva esta dor.

Cinco anos é muito cedo para se ter consciência da realidade. Nos sapatinhos colocados no parapeito o sereno umedeceu todos eles. Percebi que do Papai Noel tinha outro nome. Decepção que acirrou mais a dor da eterna ausência.

Não sei quantos séculos passaram, se anos apenas, dias. Não sei se foram as chuvas de março, ou os buracos negros, se a nanotecnologia, se os filhos sagitarianos e pra lá de amados, nasceram nos dias 17/15 de dezembro, se Pablo, dia 11, que ouve Lenine cantando” Candeeiro Encantado”, empurrando para lá e para cá este Mac air. Se tenho que levantar-me para tentar tirar manchas verdes das mãozinhas pequenas que acariciam meu rosto. Se a vida transformou dezembro em especial, derramando nas semanas deste mês do calendário gregoriano, todos os sonhos acumulados, vividos, 10/12 esta marcado a ferro e fogo, ratifico inconsciente a falta do pai que fez toda a diferença. Hoje, o reconheci em uma foto postada no face por irmã deu uma saudade danada.

Em tempo: na certidão de Cidadania Portuguesa a data é 16/12 -  Vaya caualidad

 

 

 

 

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