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NESTA TERRA, NESTE INSTANTE - 8a. parte



Com Pedrinho e Rodolfo havia traçado uma estratégia. Iria para Cuba. Diante da situação, não poderia desistir. A organização daria dinheiro suficiente para qualquer imprevisto. Andrada fora claro. Eu andava com os militantes da VPR, e, a qualquer deslize, ele não hesitaria em eliminar-nos. Não lhe faltava coragem ou determinação. Nada impediria a ação há tanto planejada. Ele era o comandante com poderes absolutos. Andrada vinha da Linha Vermelha, um segmento da esquerda radical. Era um guerreiro duro, inflexível.

Chegamos a Montevidéu, ao cair da noite.  Deixaram-nos.  Com carinho antecipado fomos recebidos por um casal de Tupamaros. Uma família Tupamara. Alegres, solidários, sofridos, amados, perseguidos, fortes e seguros.

Vez por outra soava a sirene. Era a polícia, buscando Tupamaros. Saíamos ao parque a caminhar, enquanto eles desfilavam pelas casas, registrando tudo e todos. Buscavam o que eles jamais lograriam encontrar: as idéias.
Dias de expectativa, contudo maravilhosos. Trocávamos informações durante horas, sobre nossos países, nossos projetos de liberdade, a união da América Latina, sobre nosso presente, sem jamais mencionar nosso futuro. 

Com os companheiros  que participariam do sequestro, mudamo-nos para um pequeno hotel, situado perto da  praia, cujo proprietário era também um militante Tupamaro.

Ía à praia com as crianças, almoçava no Jangadeiro, restaurante brasileiro de propriedade do ex- ministro do trabalho de Jango, segundo diziam. Caminhava pela cidade, vez por outra fazia algumas compras, pois todas as roupas dos meninos estavam pintadas de tinta a óleo vermelha. Roupas e cabelos. Um  sufoco ir limpando aos poucos as mechas louras emplastadas de tinta. Um transtorno causado por uma ingênua diversão, enquanto estiveram longe de mim.

No dia de Natal, almocei no Jangadeiros, uma excelente feijoada, para alegria dos meninos que adoravam feijão com arroz, batatas fritas e farofa. A cidade estava em polvorosa. Os Tupamaros  tomaram um banco de assalto, mantendo, como reféns, seus funcionários, por mais de seis horas. Polícia e exército completamente desarvorados.
-          Como ousavam, ali,  no nariz deles, executar uma ação tremenda como aquela!?
O povo adorava os Tupa, e silenciavam a qualquer inquirição. Heróis anônimos, cochichavam pelas ruas.
Também estava apaixonada pelos Tupa. Eles eram a extensão dos meus Juarezes, Moacires, Marias, Carlos, Laras, Rodolfos, Sílvias e Pedrinhos.    


Dia 30, fui ao Jangadeiros  para almoçar. Animado, o gerente nos convidou para a festa que fariam para o reveillón.
- Seu marido virá, não?
- Não, vai direto para Bariloche. Muito obrigada pelo convite.
- Que pena! Será fantástico!
Desejei a todos um feliz 1970.

Saí, tentando divisar, através do mar, a minha pátria tão amada. Por quanto tempo, ficaria longe de suas montanhas, de suas florestas, do cheiro do seu mar, do sotaque multicolorido?

Quanto tempo sem ver a Portela entrando impoluta na Avenida Presidente Vargas, sem sentir a vibração da nação rubro-negra, sem ouvir o Paulinho da Viola...

Como viver sem o Bar Luiz, o Paissandú,  o Mequinho e o Lara?...   Estaria fadada a repetir o carma mineiro: em vez de Dirceu-Marília? Melhor não cogitar sobre o futuro. Viver apenas, intensamente, o presente. Bom para os olhos, melhor para o coração.

Montevidéu estava em festa com a chegada de uma nova década. Sessenta havia sido embrião e feto. Ousou libertar a mulher, assassinar presidentes, instalar ditaduras para sufocar as conquistas, olhar a Terra desde a Lua, ditar definições morais e políticas, quebrar tabus. O mundo esperava um 1970, menos conturbado, o fim das guerras, a punição dos culpados, o retorno à democracia.




A cada primeiro de janeiro renascem nossas esperanças. Assim foi com nossos antepassados, assim será com as novas gerações.
Seria 1970 uma década diferente de todas as outras até então vividas? Faltava um dia para deixar a América Latina. Por quanto tempo? Meses, dias,  anos?  Que futuro o futuro havia me reservado? Naquele instante, tão somente a esperança. Era assim algo como a Terra, como dizia Gagarin, azul: a esperança para mim é azul. Foi nesse azul que me perdi no dia 31.  A princípio apreensiva, preocupada, ansiosa, tentava conciliar o sono.
Era difícil dormir. No dia seguinte, uma grande aventura.
Daria certo? Sairíamos ilesos? Seria o último, o ou primeiro dia das nossas vidas...
-  Você não vai levar este casaco de peles: é um absurdo!- disse Andrada.
- Foi presente da minha cunhada, uma jóia rara para ela!
-          Não. Não pode levar.

Perdida no armário, ficou a única lembrança trazida do Brasil. Todo o resto da minha bagagem era novo, exceto minhas lembranças. Adormeci inebriada de tantos pensamentos.

 Com Pedrinho e Rodolfo havia traçado uma estratégia. Iria para Cuba. Diante da situação, não poderia desistir. A organização daria dinheiro suficiente para qualquer imprevisto. Andrada fora claro. Eu andava com os militantes da VPR, e, a qualquer deslize, ele não hesitaria em eliminar-nos. Não lhe faltava coragem ou determinação. Nada impediria a ação há tanto planejada. Ele era o comandante com poderes absolutos. Andrada vinha da Linha Vermelha, um segmento da esquerda radical. Era um guerreiro duro, inflexível.

Chegamos a Montevidéu, ao cair da noite.  Deixaram-nos.  Com carinho antecipado fomos recebidos por um casal de Tupamaros. Uma família Tupamara. Alegres, solidários, sofridos, amados, perseguidos, fortes e seguros.

Vez por outra soava a sirene. Era a polícia, buscando Tupamaros. Saíamos ao parque a caminhar, enquanto eles desfilavam pelas casas, registrando tudo e todos. Buscavam o que eles jamais lograriam encontrar: as idéias.
Dias de expectativa, contudo maravilhosos. Trocávamos informações durante horas, sobre nossos países, nossos projetos de liberdade, a união da América Latina, sobre nosso presente, sem jamais mencionar nosso futuro. 

Com os companheiros  que participariam do sequestro, mudamo-nos para um pequeno hotel, situado perto da  praia, cujo proprietário era também um militante Tupamaro.

Ía à praia com as crianças, almoçava no Jangadeiro, restaurante brasileiro de propriedade do ex- ministro do trabalho de Jango, segundo diziam. Caminhava pela cidade, vez por outra fazia algumas compras, pois todas as roupas dos meninos estavam pintadas de tinta a óleo vermelha. Roupas e cabelos. Um  sufoco ir limpando aos poucos as mechas louras emplastadas de tinta. Um transtorno causado por uma ingênua diversão, enquanto estiveram longe de mim.

No dia de Natal, almocei no Jangadeiros, uma excelente feijoada, para alegria dos meninos que adoravam feijão com arroz, batatas fritas e farofa. A cidade estava em polvorosa. Os Tupamaros  tomaram um banco de assalto, mantendo, como reféns, seus funcionários, por mais de seis horas. Polícia e exército completamente desarvorados.
-          Como ousavam, ali,  no nariz deles, executar uma ação tremenda como aquela!?
O povo adorava os Tupa, e silenciavam a qualquer inquirição. Heróis anônimos, cochichavam pelas ruas.
Também estava apaixonada pelos Tupa. Eles eram a extensão dos meus Juarezes, Moacires, Marias, Carlos, Laras, Rodolfos, Sílvias e Pedrinhos.    

Dia 30, fui ao Jangadeiros  para almoçar. Animado, o gerente nos convidou para a festa que fariam para o reveillón.
- Seu marido virá, não?
- Não, vai direto para Bariloche. Muito obrigada pelo convite.
- Que pena! Será fantástico!
Desejei a todos um feliz 1970.

Saí, tentando divisar, através do mar, a minha pátria tão amada. Por quanto tempo, ficaria longe de suas montanhas, de suas florestas, do cheiro do seu mar, do sotaque multicolorido?

Quanto tempo sem ver a Portela entrando impoluta na Avenida Presidente Vargas, sem sentir a vibração da nação rubro-negra, sem ouvir o Paulinho da Viola...




Como viver sem o Bar Luiz, o Paissandú,  o Mequinho e o Lara?...   Estaria fadada a repetir o carma mineiro: em vez de Dirceu-Marília? Melhor não cogitar sobre o futuro. Viver apenas, intensamente, o presente. Bom para os olhos, melhor para o coração.

Montevidéu estava em festa com a chegada de uma nova década. Sessenta havia sido embrião e feto. Ousou libertar a mulher, assassinar presidentes, instalar ditaduras para sufocar as conquistas, olhar a Terra desde a Lua, ditar definições morais e políticas, quebrar tabus. O mundo esperava um 1970, menos conturbado, o fim das guerras, a punição dos culpados, o retorno à democracia.

A cada primeiro de janeiro renascem nossas esperanças. Assim foi com nossos antepassados, assim será com as novas gerações.
Seria 1970 uma década diferente de todas as outras até então vividas? Faltava um dia para deixar a América Latina. Por quanto tempo? Meses, dias,  anos?  Que futuro o futuro havia me reservado? Naquele instante, tão somente a esperança. Era assim algo como a Terra, como dizia Gagarin, azul: a esperança para mim é azul. Foi nesse azul que me perdi no dia 31.  A princípio apreensiva, preocupada, ansiosa, tentava conciliar o sono.
Era difícil dormir. No dia seguinte, uma grande aventura.
Daria certo? Sairíamos ilesos? Seria o último, o ou primeiro dia das nossas vidas...
-  Você não vai levar este casaco de peles: é um absurdo!- disse Andrada.
- Foi presente da minha cunhada, uma jóia rara para ela!
-          Não. Não pode levar.

Perdida no armário, ficou a única lembrança trazida do Brasil. Todo o resto da minha bagagem era novo, exceto minhas lembranças. Adormeci inebriada de tantos pensamentos.

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