As pedrinhas de gelo
desenvolviam uma coreografia singular mergulhadas no Campari brincado de pique - esconde, enquanto a lua esplendidamente discreta ganhava espaço entre os últimos momentos do
Por de sol, e a noite manhosa chegando pé ante pé morta de medo de ofuscar o
descanso do rei e os segredos trocados entre
Wladimir Padilla e a brasileira livre de ser virgem, livre de prejuízos em
mais um anoitecer Havaneiro. Ninguém
ousaria profanar a conquista, nem o sim
pelo não, nem a espera de tantos meses entre a gélida Moscou e o calor agoniante
de mais um julho caribenho.
O susto topou forte contra
o instante mágico, vindo da campainha intrusa ,interrompendo o beijo cuidadosamente orquestrado.
Esperaaa! Vou atender.
Perai! –
Tropeçando abri a porta sem graça, sem vontade de fazê-lo tão
somente impelida pelo dever . Portas
devem ser abertas ao toque das campainhas. Inoportunas ou não.
Muito Prazer – Gabriel Garcia Marques – Gabo, para os amigos. Entrou
sorrindo sabedor de que quebrara o encanto.
A lua já saiu?
- Caramba! Havia esquecido totalmente de que sairia a lua. Minutos
a mais e a varanda estaria repleta de Manolitos, a
mexicana querida, a jornalista costa-ricense, Pablito Milanez possivelmente.
Maneira a la Macondo de entrar na minha vida, de fazer parte
dela por muitos e muitos anos. Gabo é a tradução do espirito latino americano por excelência,
isento de preconceitos, alegre, colorido, misterioso, gigante, exuberante,
precioso para sempre.
Nossas similitudes se
identificam na busca de uma identidade, nascida do sentimento gerado pela
colonização, na diferenciação da cor, na
rejeição. Relacionam-se na grandeza de um continente semi - virgem, a espera do homem novo, da unidade
latino americana.
Num parelelo de imagens surgia Angustura, pequena e linda
vila centenária, gloriosa no auge do cultivo do café, encravada num pedaço
mágico de Minas. Palco do meu primeiro
toque de mãos despertando-me no roçar dos dedos o primeiro amor; das
travessuras, da descoberta das desigualdades e mentiras, lugar das corridas a
cavalo, dos banhos de rio, das rosas verdes, do racismo tirando vidas. Aldeia
das preces para os pracinhas na Itália, lutando contra o nazismo; dos mendigos chegando
no quintal em busca de um prato de comida, despertando-me para as injustiças
sociais.
Cruzava no caminho com Macondo ¨Dos velhos coronéis da era de ouro do café. Muitos anos depois, diante do pelotão de
fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota
em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de
vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas
diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes
como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de
nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo. Todos os anos, pelo
mês de março, uma ¨familia de ciganos esfarrapados plantava a sua tenda perto
da aldeia e, com um grande alvoroço de apitos e tambores, dava a conhecer os
novos inventos.¨
Entre uísques, camparis ,mojistos descobrimos nossos
Macondos. Entre risos e muita cumplicidade vivemos muitos guerras, invasões,
bloqueios, censuras, ganhamos e perdemos companheiros. Alguns nos porões da
ditadura brasileira, outros ameaçados pelo tráfico de drogas que se instalaram
em terras Colombianas. Entre ciclos
lunares desenhamos a América idealizada.
Claro que naquele dia
específico esquecemos da lua, que seguiu
seu curso girando e girando em torno do planeta terra.
Anos mais tarde, Gabo imortalizou ¨Cem anos de
Solidão e sua Macondo. Angustura, numa timidez histórica segue caminho. Nossa
América galga degraus para a unidade. Gabo devaneia outras estórias seja
em prosa ou verso. Eu num arrojado
ímpeto de saudade caminhei nesta manhã pelo passado.