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Mulheres indígenas sofrem ameaça de estupro na Bahia

É no estado da Bahia que os grileiros estão ameaçando a integridade física e psicológica das mulheres indígenas, como estratégia de intimidação num conflito fundiário que dura praticamente 30 anos. Quem denuncia essa ameaça é a indígena Pataxó Hãhãhãe Olinda Muniz Wanderley, sobrinha do cacique Nailton Muniz Pataxó, da comunidade Pataxó Hã-Hã-Hãe, que aguarda o julgamento da Ação de Nulidade de Títulos da Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu.

Olinda Muniz Wanderley
Olinda Muniz Wanderley nasceu na Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu, tem 22 anos, e conta que desde criança participa das ações de ocupação do território e acompanha os problemas de seu povo. Neste ano começou a estudar jornalismo em Salvador (BA), e por isso tem dupla residência: vive na capital da Bahia para estudar e sempre que pode viaja de volta para sua comunidade.
“Como já ocorreram no passado não muito distante muitos casos de estupros de mulheres indígenas nas ações de esbulho de terras, estamos levando bastante a sério estas ameaças”, relata Olinda. Sobre o contexto em que essas ameaças ocorrem, ela informa: “Nós Pataxó Hãhãhãe temos uma área demarcada desde 1926, mas sofremos um processo histórico de esbulho de nossa terra onde ainda hoje existem posseiros”.
O estupro de mulheres indígenas não é novidade – os historiadores relatam casos de violência contra o corpo da mulher indígena desde os tempos coloniais. Também não é novidade o estupro como arma de guerra. O que causa repúdio é essa ameaça ocorrer no Brasil atual, democrático, republicano e ainda assim não ter a devida repercussão na grande imprensa nativa.
Como forma de dar visibilidade a esse caso e nos somar ao combate a essa violência, publicamos a entrevista a seguir, concedida pela Pataxó Hã-Hã-Hãe Olinda Muniz Wanderley, por e-mail.
Como você ficou sabendo das ameaças de estupro? Os agressores ameaçam homens, diretamente as mulheres ou das duas formas?
Os pistoleiros gritam as ameaças para os indígenas que estão nas áreas ocupadas. Como temos homens e mulheres, tanto homens quanto mulheres os escutam ofendendo com xingamentos e ameaçando “comer” as mulheres indígenas. Para os homens, eles gritam que irão “comer” as suas mães (dos indígenas). São ameaças utilizando palavras rudes e obscenas, que por si só já caracterizam violação a lei.

Foto: Arquivo/CIMI - Conselho Indigenista Missionário
De que forma as mulheres indígenas têm reagido perante as ameaças de estupro?
As mulheres estão nervosas, estão com medo de ir para a retomada e as que estão ou estavam estão se retirando da área. Sendo assim, nós da comunidade Pataxó hãhãhãe, estamos muito preocupados e evacuamos parte das mulheres da área de conflito. Estamos evitando que qualquer outra vá para lá. O nosso acesso está muito difícil, se dá pelo mato e demora quatro horas indo de cavalo, a pé demora ainda mais. Até neste deslocamento sofremos o risco de emboscadas.
As mulheres da sua comunidade participam ativamente dos conflitos com os grileiros? Como elas se organizam nessa luta?
Nós mulheres indígenas participamos ativamente em todo o processo. Nós somos tão ativas quanto os homens, apesar dos homens ficarem mais nas frentes de defesa e realizarem os trabalhos mais pesados do que nós mulheres. Cabe a nós mulheres cuidar para que estejam todos alimentados na medida do possível pois, nestas situações, não dá para fazer tudo o que é necessário devido a falta de recursos. Somos articuladoras junto com os homens, temos mulheres líderes, caciques e demais lideranças. Muitas mulheres são absolutamente necessárias, são líderes natas e trabalham mantendo a ordem social necessária para que as retomadas andem corretamente, sem atropelos.
Onde você se sente mais protegida enquanto mulher, dentro da Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu, nas cidades próximas ou em Salvador?
Depende, neste momento estou mais protegida em Salvador, pois se estivesse na área teria que transitar e estaria correndo risco. Em meio ao meu povo me sinto totalmente protegida, a insegurança é neste momento agora porque nunca se sabe o que os pistoleiros podem fazer. Emboscadas são comuns nestes momentos e se morre muito facilmente. Nas cidades próximas neste momento não há segurança alguma para nós indígenas.
Qual a sua avaliação sobre a atuação das organizações não-governamentais na comunidade?
Algumas ONGs estão sendo extremamente importantes e é com a ajuda delas que estamos conseguindo muito do necessário. As redes sociais e os blogs estão sendo muito importantes neste momento. Contamos com o apoio da população brasileira.
Há alguma ação específica de Ongs ou mesmo de governos (municipal, estadual, federal) quanto à segurança e a autonomia das mulheres indígenas? Quais medidas você considera relevantes?
Existem trabalhos, mas não ligados a esta situação de agora. Hoje eu acho que algumas mulheres indígenas que desejam ser independentes e até mesmo seguir alguma carreira estão conseguindo, pelo menos na minha “aldeia” e nas outras que conheço. Nós levamos a questão das ameaças ao Ministério Público Federal.

Foto: Arquivo/CIMI - Conselho Indigenista Missionário
Muitos líderes morreram assassinados ao longo desse conflito. Qual é o impacto dessas mortes para as mulheres indígenas?
Acho que este impacto não é só para as mulheres indígenas, mas para a comunidade como um todo. Quando falamos líderes dizemos que são pessoas que participavam ativamente na questão indígena com relação a terra e nas demais questões como saúde, educação etc. São representantes nossos, escolhidos por serem pessoas com maior habilidade para resolver estas coisas. Essas pessoas fazem falta para todos. Além disso, estas pessoas deixam filhos, mulheres viúvas, mães que perdem seus filhos precocemente, é uma situação que mexe com a comunidade inteira.
O que as autoridades podem fazer de imediato para a segurança das mulheres e da comunidade indígena como um todo?
Tendo em vista as ultimas ocorrências, e de acordo com a denúncia e solicitação que estamos fazendo, necessitamos da troca do efetivo da Policia Federal que se encontra na área, pois estamos percebendo que a policia está trabalhando contra nós indígenas. Encontraram uma indígena responsável por uma das áreas ocupadas e a pressionaram bastante – certamente sua condição de mulher frente a tantos homens a deixou vulnerável e sujeita a aceitar as imposições, inclusive assinar um documento que ela não pode ler e desconhecia o conteúdo.
A FUNAI está ciente do caso, a Polícia Federal também está ciente da nossa situação, mas apenas o Ministério Público Federal tem nos ouvido e trabalhado para investigar as coisas que estamos denunciando. Nosso maior problema hoje é o julgamento dos títulos dos fazendeiros que são nulos, como já se pronunciou o relator de nosso processo o Ministro aposentado Eros Grau. Precisamos que o STF garanta a nossa posse permanente e exclusiva de nosso território. Somos vistos na região como ladrões de terras, é esta a imagem que os fazendeiros passam de meu povo, nos dizem ladrões, para eles nossas mulheres são simples “mulheres fáceis”. Eu mesma já fui vítima de violência verbal por muitas vezes em Pau Brasil, que é a cidade mais próxima de onde moro. Nós não aceitamos continuar a ser desrespeitados desta forma e queremos que esta situação toda se resolva, sem violência contra ninguém, nem contra nós indígenas nem contra qualquer outra pessoa.

Abraços,

Cirila Kaimbé
Professora

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