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Waldimir Padilla - entre Sierra Maestra, camparis e uma boa dose de alegria

A modernidade devagarzinho se aproximava da ilha. Podia falar com Moscou via satélite. Conversar com Wladimir deixaria de ser um suplício. Dias de espera, até que a telefonista anunciava que ia completar a chamada. Wladimir foi uma dessas coisas gostosas que nos acontece quando estamos abertos ao amor.
Um dia, em uma reunião para ver as fotos da viagem de férias feita pelo Conselheiro Comercial da Embaixada Mexicana, apareceu um moreno risonho, brincalhão, todo intimidade. Creio que o sangue, afro-ibérico, determinou esta característica tão típica desses dois povos: um charme irresistible. Dos dois sexos. O povo brasileiro é definido como lindo, amoroso, sedutor. Cubanos iguais: fascinantes, charmosos, encantadores, atraentes. Árdua a tarefa de escolher o melhor entre duas raças. De quebra, fico simplesmente com as duas.
No regresso, seu carro emparelhava ao meu, tentando conversar em pleno trânsito
- Seu telefone - pedia com um gesto mundialmente conhecido, implorava.
- Ignorava.
Mais adiante, no sinal fechado, quase aos gritos, pedia meu número. Disfarçava, com uma vontade louca de cair na gargalhada, diante da insistência.
- Quem será este tipo? – perguntava ao amigo sentado ao lado.
- Sei lá. Desconhecido? É, não pode ser. Estava lá. Era convidado também.
- Nunca o vi antes. Você viu?
- Nunca.
Quase dormida, ouço o timbre tocar. “Voltaria Roberto?” Questionei, abrindo a porta.
- Quê? Você aqui? Como chegou? Quem é você?
- Calma. Não sou ladrão, nem tarado, ou coisa parecida. Sou Wladimir Padilla, filho do seu amigo Oscar Padilla, Ministro do Trabalho. Já! Ubicou? Deixa-me entrar.
- Não. Explique-me. Como me encontrou?
- Simples. Segui o carro. Vi o endereço. A luz que acendeu. E arrisquei.
- Está louco?
- Tampouco. É que nunca vi uma garota tão linda.
- Vai embora. Por favor.
- Tudo bem. Dá-me seu telefone. Prometo não molestar.
- Se dou, você vai?
- Vou.
Passei o número, prometendo, garantindo, em toda a minha vida jamais atendê-lo.
Na hora do café, antes da saída para o trabalho, tocando à porta: Wladimir.
Inimaginable!
- Achou mesmo que ia telefonar? Vim levar você ao trabalho. Assim vamos nos conhecendo.
De lá para cá, sempre assim: uma chamada na calada da noite, ou seja de Moscou, ou nos dias de férias em Havana, tira-me o sono.
- Que vai fazer esta noite? – do outro lado, a voz de um grande e doce amigo.
Com Wladimir vivi momentos de extrema felicidade. Na encantada madrugada santiagueira, Marti em versos se entrepunha entre camparis Nas ladeiras, encontrei com intimidade o Pelourinho. Na visita ao museu de General Antonio Maceo, prócer da independência de Cuba, junto a Máximo Gómez e José Martí contra o colonialismo espanhol numa guerra, que durou mais de dez anos, a história.

De surpresas em surpresas, Wladimir reservara a maior delas, o cafezinho na casa de Maria, filha mais nova de Maceo. Percorremos kilometros de história de uma ponta a outra. Independência do jugo espanhol, fundiam as lutas travadas na Serra Maestra.

Portas destrancadas, velho hábito de Santiago de Cuba, ponto de encontro dos jovens guerrilheiros nas noites da linda Santiago fascinavam o travesso Wladimir, transitando entre Raul Castro – irmão caçula de Fidel, Juan Almeida, Frank Pais e tantos outros que sua memória de menino guardou com muito carinho.

Raul, nasceu como seu irmão em Birán, estudou, liderou lutas estudantis, esteve presente no Moncada, exilou-se no México ao sair da prisão e desembarcou no Granma. Comandou o “Segundo Frente” na Serra Maestra.

Dizem que é duro e rigoroso. Os que o conhecem de perto falam de sua simplicidade e firmeza. È Chefe das Forças Armadas Revolucionárias desde 1959, quando apenas contava com 28 anos de idade. Casou com Wilma Espin, também guerilheira, fundadora e Presidente da Federação das Mulheres Cubanas. Como outros Comandantes está sempre ao lado de Fidel, embora suas aparições em público sejam bastante raras. Dirige o exército com firmeza e competência.

- È um homen cubano – afirmava Maria com orgulhos dos meninos da Serra.

“Aqui nadie se rinde” sentenció Almeida o guerrilheiro, poeta, escritor, compositor em Alegria de Pio ao serem emboscados pelo fogo inimigo.

Comadante Juan Almeida Bosque, nascido de família humilde na cidade de Habana, com um tremendo coração santiagueiro é um desses seres excepcionais. Participou das guerras revolucionárias, organizou, dirigiu um dos pontos mais estratégicos da resistência: o “Terceiro Frente Oriental Mario Muñoz Monroy. Simples, terno, valente, tenaz, fantasticamente humano. Muitas tardes, em Miramar compartimos do convívio deste companheiro intranhável.
A revolução cubana tem em seus quadros homens de indescritível compromisso com a vida, com seu povo, com a soberania de sua pátria. Comove vê-los, conversar com eles, saciar de sua fortaleza, nobreza de sentimentos e valentia.
Frank País, um dos fundadores, líder do Movimento 26 de Julho engrossa esta fileira. Sua morte aos 23 anos, em uma emboscada nas ruas de Santiago, desencadeou uma greve geral de trabalhadores. Santiago vestiu de luto a perda de seu líder. Toda Cuba reagiu ao covarde assassinato, e as forças de Batista retrocederam ante a ira popular.
“... en los primeros momentos la gente quería llegar hasta el cadáver y hubo forcejeo con los guardias. Es que la reacción popular fue espontánea, muy poderosa y desde ese momento se paralizó la ciudad, la gente se dedicó a ir a donde estaba Frank”... declarou Wilma Espin.
Da Serra Maestra Fidel escreve a Célia Sanchez “Todos los esbirros, todos los miserables que sirven a este régimen de un modo o de otro, todos los politiqueros juntos, no valen la vida de Frank País”.
Falar de Frank me levou as tardes, e noites na casa da Tia - no Novo Vedado.
- Nós éramos a retaguarda dos meninos da Sierra Maestra. Frank, franzino, professor, cheio de ilusões e vontade férrea liderava o Movimento no Oriente. Amado, respeitado por companheiros, vivia, e respirava revolução. Vira e mexe entrava casa adentro sempre sorridente buscando um biscoitinho para comer.
- O estomago reclama nervoso, tia. Precisa ouvir sua inquietude. Não tenho tempo para grandes manjares. Qualquer coisa para enganar a fome.Ia engolindo enquanto nos punha a par das últimas novidades. Da cidade e do campo.
Por vezes um banho ligeiro no calor sufocante do verão caribenho, trocava de roupa e saia às pressas para cumprir alguma tarefa. Era um dos meus maiores orgulho junto com Raul. Meus dois meninos. Quantas vezes tive por força das circunstancias viajar ao exterior trazendo armas embaixo das rodadas saias junto com minha filha maior. Frank ria como criança das peripécias nas furtivas viagens, enquanto embrulhávamos o material para fazer chegar a montanha.
Nos parcos momentos de lazer fazíamos planos para o dia da Vitória. De como o povo receberia Fidel nos braços. De como seria nossa ilha livre com a queda de Batista.
Naquele 30 de julho de 1957, como em vezes anteriores, banhou-se as pressas trocou-se deixando sobre a cama uma linda goiabeira toda suada, saiu para um encontro que lhe custou a vida. Difícil foi aceitar sua morte. Difícil foram os dias que se seguiriam sem Frank.
Lágrimas nos olhos, voz embargada ia descrevendo as ruas de Santiago na morte do seu menino. Habana e Santiago presentes na sala de Maria, e da adorável “tia” lembranças de um tempo em que entregar –se em prol da liberdade era questão de honra. Nós também não passávamos de simples meninos tentando um Brasil melhor. Santiago se definia plena na canção de Augusto Blanca.
Santiago:
tus callejones paso a paso te recuerdan

Santiago:
Nómbrame alguno que nunca escribiera su historia,
nómbrame alguno donde no se hallan escuchado
alguna vez aquel petardo de las nueve,
nómbrame alguno que nunca sintonizara
aquel programa en la habitación del fondo:

“…Aquí radio Rebelde
desde la Sierra Maestra…”
Amávamos tantas coisas em comum que extrapolamos o desejo para nos tornarmos companheiros eternos.
Sagitariano, seguramente filho de Ogum, pregava peças a torto e a direito.
- Hoje, vamos a uma paisagem sem precedentes.
Subimos a rua que contorna o “Morro” para ver o Malecón desde o alto do túnel que corta a baía sob o mar.
- Vê. Existe coisa mais linda no planeta?
A murada que separa o mar da avenida, emoldurada pelos prédios centenários, faz do Malecón um dos mais belos cartões postais.
- Linda. Preciosa. Mas, Copacabana é mais bonita. Tem areia. O mar beija por vezes, nas grandes ressacas, a Avenida Atlântica. A calçada que circunda a orla é de pedras portuguesas em formato de ondas. Uma maravilha! Pode crer.
Abraçou –me suave, beijou meus cabelos e num riso maroto sentenciou:
- Perfeito. Nós é que preferimos fazer a revolução primeiro, e a calçada deixamos para depois.
Seguramente o tempo passará e esta afirmação sempre me trará um sorriso nos lábios e muita alegria no coração.

Rio e Havana desfilavam pelo nosso imaginário. Estado da Guanabara, assim denominado depois da transferência da capital para Brasília, e o Estado do Rio de Janeiro se fundiram em um único, cuja capital seria a cidade do Rio de Janeiro. Uma rápida e simples cerimônia, ignorando os problemas sociais do outro lado da baía e o papel que esta cidade desempenha no coração e na alma dos brasileiros. Preocupados com os decretos que legalizavam a fusão dos estados, esqueceram que o Rio de Janeiro viria a enfrentar todos problemas inerentes a uma capital de um Estado carcomido pela fome, pela miséria, pela falta de saneamento básico, pela imigração desenfreada.
Nas prisões, milhares de companheiros continuam sendo torturados e mortos largo do país.

O mundo explode, com imensa emoção, pela vitória dos vietnamitas sobre o gigante das infames guerras. Americanos se retiram humilhados, sob os olhares atentos do mundo. Membros da OEA estudam o fim do bloqueio à Cuba, que já passa dos onze anos. Sem sucesso. Apesar da vergonhosa derrota, os Estados Unidos não cedem o fim do bloqueio.

A Ilha festeja a sua escolha para ser a sede do XI Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, no verão de 1978. Na capital, começava XII Encontro de Diretores de Centro de Escritores Socialistas. Fidel recebe o anteprojeto da nova Constituição do País.

Maio, tiempo lluvias por caer – como diz o poeta. Celebra-se o Primeiro de Maio na Praça da Revolução, José Martí. No teatro Lázaro Peña, o XXX aniversário da queda do fascismo é celebrado com tristes recordações do holocausto e a decisão férrea de impedir um segundo capítulo deste na história da humanidade.

Os dias engolem as noites e os pores-do-sol empurram os luares para a madrugada. Sinal de que o verão chegou e com ele os dias de viver na praia, de brincadeiras, de teatro infantil, de idas ao cinecito, de cuidar dos gerânios e das borboletas, de correr pelos pinheiros, de pegar polvos com Luly, Ayu, Mary, de sair com os meninos da Ana Glória e a delicada Ivetica. Dias de viver vinte e quatro horas de alegria com Cell e Edu. Férias, tempo de pôr em dia os mistérios da ilha.

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