Como num poema de Miguel Hernandez, estávamos no olho do furacão, no meio do mundo e no meio de março de 1969. A mala cheia de armas e munições e dois garotos correndo, pulando, na casa que nos servia de esconderijo na serra. O Marcello com dois anos, o Eduardo no berço com os olhos mais azuis que já se viram foragidos da repressão eu invadira nossa casa (linda) cheia de livros quadros e sonhos. A repressão além de prender e massacrar os suspeitos, costuma roubar tudo de valor, que encontrasse pela frente. A pretexto de apreender material subversivo e prova de crime, levavam tudo.
Uma verdadeira loja departamento de terror . O resto virava lixo: fotos, documentos , discos importados,o quadro não terminado no cavalete. Assim nossas lembranças ficaram apenas nas lembranças. O tempo, com a miopia transforma as imagens em pinturas impressionistas. Ali, os contornos perdem a nitidez, as cores aparecem como manchas, as formas são pouco definidas, mas, quando o quadro é observado na distancia adequada , e com a percepção aguçada, revela-se toda a sua beleza. Nós tínhamos 20 e poucos anos e o mundo inteiro pela frente. Mas, The dream is over. Será mesmo? Talvez não para todos. De tudo ficou um pouco. Sempre fica um pouco.
Fausto Machado Freire.
*revisando o livro - Nesta terra, Neste Instante - de minha autoria, reli a orelha e decidi compartir hoje a emoção que senti nestas palavras, lindas, fortes. Marcas de um passado que de uma maneira ou outra contribuiu para o Brasil de hoje.